A ausência de mulheres no STF expõe o abismo entre o discurso de inclusão e a prática política, e reforça o quanto a representatividade feminina ainda é tratada como concessão - e não como direito democrático.
Nos últimos dias, o país acompanhou mais uma nomeação para o Supremo Tribunal Federal - e, mais uma vez, a cadeira não será ocupada por uma mulher.
A expectativa era grande. Falava-se em inclusão, diversidade, representatividade. Afinal, um governo que se apresenta como plural e comprometido com a equidade de gênero deveria, naturalmente, entender a importância simbólica e prática de uma mulher ocupar um dos cargos mais altos do Judiciário brasileiro. Mas o que vimos foi o contrário: uma nova indicação masculina, reforçando uma estrutura histórica de exclusão silenciosa.
Muitos tentarão reduzir o debate à velha armadilha do “não importa o gênero, importa a competência”. Mas o que precisamos compreender é que a ausência feminina não é uma questão de competência individual - é um reflexo de uma estrutura que sistematicamente limita o acesso das mulheres aos espaços de poder. Quando a mais alta Corte do país é composta majoritariamente por homens, ela reproduz uma visão de mundo que, por mais técnica que seja, não pode ser neutra.
As decisões do STF tocam diretamente temas que afetam de maneira particular a vida das mulheres: a saúde reprodutiva, a licença-maternidade, as políticas de combate à violência doméstica, o assédio, o trabalho informal, a dupla jornada, o direito ao próprio corpo e à própria voz.
Em um país onde a maioria da população é feminina, é inconcebível que essas vozes continuem sendo interpretadas — e julgadas — quase exclusivamente por olhares masculinos.
Ter uma mulher no STF não é “cumprir cota”. É garantir pluralidade de perspectivas, é dar legitimidade a um tribunal que julga as dores e as lutas de um país diverso.
É preciso lembrar que as mulheres enfrentam interrupções constantes - em reuniões, em cargos de liderança, em debates públicos - e isso não é diferente nos espaços institucionais mais elevados. Há uma cultura que silencia, que duvida, que subestima. E quando a voz feminina não está nem presente para ser interrompida, o silêncio se torna institucional.
O mais inquietante é que essa escolha não é apenas um gesto político: é um recado.
Um recado de que, mesmo em governos que se dizem comprometidos com a inclusão, as decisões continuam sendo tomadas de cima, por e para homens. É um lembrete de que a representatividade ainda é vista como um detalhe, e não como um pilar da democracia
Enquanto não compreendermos que diversidade é sinônimo de justiça, continuaremos naturalizando tribunais que decidem o destino das mulheres sem que elas estejam sentadas à mesa.
E um país que silencia as vozes femininas no seu mais alto tribunal, silencia também parte da sua própria consciência coletiva.
Dra. Débora Garcia Duarte
Advogada. Mestre em Direito (UENP - Jacarezinho). Professora universitária e coordenadora da FIT. Autora da obra Reveng Porn: a perpetuação da violência contra a mulher na internet e o poder punitivo. Pesquisadora na área de direitos das mulheres e doutoranda pela FCA - UNESP Botucatu.