Quando se fala em agronegócio ou em trabalho no campo, a imagem mais comum ainda é a do homem à frente das atividades produtivas. Essa visão, porém, distorce a realidade. Em grande parte das famílias rurais, são as mulheres que mantêm a economia funcionando: organizam a casa, cuidam da produção agrícola, administram o orçamento, acompanham a educação dos filhos e, muitas vezes, garantem o sustento da família quase sozinhas.
Segundo a ONU, as mulheres representam cerca de 43% da força de trabalho agrícola no mundo, mas recebem menos apoio institucional que os homens. No Brasil, o Censo Agropecuário do IBGE (2017) mostra que mais de 18% dos estabelecimentos rurais são oficialmente chefiados por mulheres, número que vem crescendo nas últimas décadas. Ainda assim, os dados subestimam a realidade: muitas agricultoras trabalham lado a lado com os maridos, mas seguem invisibilizadas nos registros oficiais, vistas como “ajudantes” e não como protagonistas.
Esse apagamento tem consequências diretas. Sem reconhecimento formal, muitas ficam fora de políticas públicas essenciais, como acesso ao crédito agrícola, programas de assistência técnica e financiamentos. Quando conseguem participar, o montante de recursos destinado às mulheres é, em média, menor. Isso reforça um ciclo de desigualdade que limita a autonomia econômica e perpetua a dependência.
Além das barreiras institucionais, há o peso cultural. O machismo ainda naturaliza a ideia de que o espaço da mulher é restrito ao lar, ignorando que, no campo, as fronteiras entre casa e lavoura se misturam. A agricultora é quem planta, colhe, administra a horta, cuida dos animais e, ao mesmo tempo, assume a maior parte das tarefas domésticas e de cuidado com crianças e idosos. É a famosa dupla — ou tripla — jornada, que raramente é contabilizada nos índices oficiais, mas que representa trabalho duro, contínuo e indispensável.
Paradoxalmente, embora invisibilizadas, as mulheres rurais têm papel central na segurança alimentar do país. São elas as principais responsáveis pela produção de alimentos da agricultura familiar, que abastece as feiras, as merendas escolares e grande parte do consumo interno brasileiro. Em outras palavras: o alimento que chega à mesa do brasileiro passa, muitas vezes, pelas mãos femininas que cultivam a terra com esforço e dedicação.
Diante desse quadro, é urgente repensar o lugar das mulheres no campo. Reconhecer sua contribuição significa investir em políticas públicas direcionadas, ampliar o acesso a crédito rural, fortalecer a presença feminina em cooperativas e sindicatos e incentivar programas de capacitação que promovam autonomia. Também é preciso criar redes de apoio para reduzir a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidado, permitindo que essas mulheres tenham mais tempo e condições de participar ativamente das decisões produtivas e comunitárias.
O futuro do campo também depende de justiça de gênero. Valorizar e dar visibilidade às mulheres rurais não é apenas uma questão de reparação histórica: é também uma estratégia inteligente de desenvolvimento sustentável e de fortalecimento da economia. Onde há terra cultivada, há mãos femininas que semeiam, colhem e transformam realidades. Reconhecer isso é plantar igualdade para colher um país mais justo.
Dra. Débora Garcia Duarte
Advogada. Mestre em Direito (UENP - Jacarezinho). Professora universitária e coordenadora da FIT (Faculdades Integradas de Taguaí). Autora da obra Reveng Porn: a perpetuação da violência contra a mulher na internet e o poder punitivo. Pesquisadora na área de direitos das mulheres e doutoranda pela FCA - UNESP Botucatu.